sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

[Dossiê] Tudo sobre jogo justo e projeto 300/2007?

O projeto de lei n° 300/2007, ao contrário de outros que já discutimos por aqui, não pretendia proibir, censurar ou atrapalhar a já sofrida vida de quem gosta de games no Brasil. Pelo contrário. A proposta do projeto, apresentado em 2007 pelo então deputado Carlito Merss (PT-SC), foi uma das primeiras iniciativas concretas em prol da indústria e mercado de jogos
eletrônicos nacional e propunha reduzir a carga tributária dos games no Brasil para torná-los mais acessíveis e justos em nosso país.
Mas por que o arquivamento não causou tanta repercussão? E o que, afinal, significa esse arquivamento?

A proposta (e suas vantagens)


Antes de mais nada, vale revisar o texto original do projeto para entendermos o que ele realmente propunha:
(…) Consideramos que, ao estender os benefícios estabelecidos pela Lei da Informática para o segmento de jogos eletrônicos, estaremos coibindo a comercialização ilegal de produtos importados, estimulando e fortalecendo o segmento no País, criando empregos e novas oportunidades de negócios, e, consequentemente, ganhos de arrecadação tributária para a União, Distrito Federal, Estados e Municípios pela via da formalização de todo um segmento que, hoje, opera quase que totalmente na economia informal.
Como podemos ver, o que Merss queria era ampliar os benefícios da chamada Lei da Informática (n° 11.077) aos games. Simples assim. Afinal, por mais que um PlayStation 3 seja um computador, a lei brasileira ainda o considera “jogo de azar”. A lei n° 11.077 oferece, até 2019, uma grande redução (ou até mesmo isenção) nos impostos para empresas que fabricam produtos de informática no Brasil. É uma forma de incentivar a vinda de empresas para o país e aquecer nossa indústria e economia, além de baratear os valores finais desse tipo de produto para o consumidor final.
Perceba, então, que o projeto de lei 300/2007 não é uma medida imediatista para reduzir os preços dos games no país. A ideia era, através de incentivos fiscais, convencer empresas como Microsoft, Sony e Nintendo – além, é claro, das produtoras e estúdios de games – de que o Brasil é um lugar legal para investir. Nosso país poderia muito bem servir como base de operações para diversas empresas relacionadas aos jogos eletrônicos na América Latina. A vantagem é que, assim, deixaríamos de depender das importações e, com isso, reduziríamos – e muito – o quanto pagamos em um console ou em um jogo.
A possibilidade de reduzir preços era, para esse PL, apenas uma vantagem a mais. A geração de empregos, o crescimento na produção de jogos nacionais de qualidade e o fortalecimento da economia brasileira como um todo são outros benefícios que poderíamos considerar. Provavelmente não veríamos resultados rápidos nem baixas exuberantes nos preços de uma hora para a outra mas, a longo prazo, os benefícios da inclusão dos games na Lei da Informática seriam bastante representativos. Quem sabe quanto custava um computador no Brasil há 10 anos sabe do que estamos falando.

Mas por que não deu certo?


A explicação mais curta dos motivos para o arquivamento do PL seria “burocracia”. A Câmara dos Deputados brasileira segue um regimento interno. O termo 105 desse regimento diz que todo projeto de lei que esteja apenas “tramitando”, sem data para ser votado, seja arquivado ao fim de uma legislatura, o que aconteceu no dia 1º de fevereiro.
Mas há a resposta mais longa também, e essa envolve também aquele outro grave problema sempre recorrente na nossa política legislativa: a inércia. O PL 300/2007 não foi arquivado porque os deputados se opuseram a ele e votaram contra. Ele foi arquivado porque os deputados simplesmente deixaram ele parado, encostado. E, claro, nem tudo é tão simples quanto parece ser quando olhamos para a lista de datas na página do projeto. Mas, grosso modo, a falta de atitude e/ou interesse de nossos deputados no tema foi crucial para que o PL não fosse a lugar algum.
Outra complicação era o texto do projeto elaborado por Merss, que deixou de considerar um fator complicado e de extrema importância. No Brasil, videogames são classificados, para todos os fins, como “jogos de azar”. Sim, videogames, cassinos, caça-níqueis, baralhos e o Bingo que sua vó joga na festa da terceira idade… para nosso Governo, é tudo a mesma coisa.
Como não há, no texto do PL 300/2007, uma proposta de alterar a classificação dos jogos eletrônicos para algo como “bens culturais” ou “bens de entretenimento”, a situação complicou quando o projeto passou pelas mãos de seu primeiro relator, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). Eu nem vou comentar muito, apenas confiram:
No entanto, os equipamentos de jogos eletrônicos incluem máquinas caça-níqueis, equipamentos de sorteio e de gestão de bingos, simuladores de jogos de azar e outros aparelhos utilizados em atividades que hoje sofrem restrições legais variadas no País. Estaríamos, caso aprovada a redação da proposta em exame, incorrendo no paradoxo de oferecer incentivos fiscais à fabricação e ao comércio no mercado interno de aparelhos cuja utilização é, em muitos casos, ilícita.
É uma interpretação equivocada, mas que poderia ter sido evitada se Merss tivesse sugerido uma mudança de classificação para os games em seu PL. No fim das contas, Fruet aprovou o projeto, mas com a ressalva de que os benefícios fossem restritos apenas à “jogos de vídeo utilizáveis com receptor de televisão, para uso domiciliar”. Enfim: mais nomenclaturas, mais burocracia, nenhuma definição.
Essa mistura entre a inércia dos relatores que seguiram Fruet e os buracos no bem intencionado projeto de Merss acabaram levando tudo por água abaixo. E sabe o que é pior? São poucas as chances de o projeto voltar à discussão. De acordo com outra norma do regimento interno da câmara, só o autor ou autores de uma proposta arquivada podem pedir para que ela volte à pauta, desde que isso seja feito em até 180 dias após o arquivamento.
Carlito Merss, atualmente, é prefeito de Joinville (SC) e não tem mais relação com a Câmara. Tudo indica um Game Over sem continues para o 300/2007.

E daí? Temos o Jogo Justo!

Vamos com calma. Como diria o poeta, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nós temos o Jogo Justo, e temos de apoiar as iniciativas de melhorar a vida dos gamers brasileiros. Mas o PL 300/2007 e o Jogo Justo são semelhantes apenas na superfície. No fundo, existem diferenças.
Como já discutimos, a ideia do projeto de Merss era atrair empresas para o Brasil e fortalecer a indústira brasileira de games e a economia nacional como um todo, em um processo gradual. O movimento idealizado por Moacyr Alves Jr. tem um foco bastante definido, apesar de integrantes do projeto reconhecerem que a mudança na “categoria tarifária” dos games é uma das alternativas para baixar os preços. Moacyr também afirmou, em entrevista, que a Acigames planeja entrar na Justiça contra os projetos de lei que pretendem proibir os games de alguma forma.
No momento, porém, a atuação do Jogo Justo vem sendo no sentido de reduzir, o mais rápido possível, os impostos que pesam sobre os jogos importados a fim de baratear o produto final para os consumidores brasileiros. É claro que isso também fortaleceria nossa economia e serviria como prova de que temos potencial para sermos grandes na área, mas essa não é a proposta primária. O que o Jogo Justo quer é que você pague menos pelos jogos que você quer jogar.
Outro ponto de diferenciação é que o Jogo Justo está, pelo menos no primeiro momento, preocupado apenas com o software, não com o hardware. Ou seja, baixar os preços dos consoles não é a prioridade por enquanto. O projeto de lei, se bem implementado, ofereceria a possibilidade de os fabricantes de consoles se estabilizarem aqui, o que evidentemente reduziria seus preços. É claro, não há como garantir que, mesmo sem impostos, as empresas fossem se estabelecer aqui, mas tanto a Nintendo quanto a Microsoft já demonstraram interesse por nosso país no passado.
Por fim, mas não menos importante, vale sempre lembrar que o Jogo Justo foi “algutinado” pela Acigames, que é um projeto privado. Ela pode ser mais ágil do que qualquer ação de deputados mas, ao mesmo tempo, carece da expressividade e da abrangência de uma lei federal, além de ter seus próprios interesses. Enquanto o Jogo Justo tem um objetivo específico, uma lei – por mais demorado que seja o processo de aprová-la e executá-la – teria consequências mais amplas.
Nós entramos em contato com a Acigames e com o Jogo Justo em busca da opinião a respeito do arquivamento de lei 300/2007, mas ainda não recebemos resposta até a publicação deste texto. Eles se manifestaram, porém, no Twitter: “A PL 300/07 não tem nada haver [sic] com o Jogo Justo, somos um movimento e desde o começo sabíamos que não ia dar em nada, infelizmente”, foi uma das mensagens publicadas. Em outra tuitada, o Jogo Justo afirmou que o PL só “seria incentivo para games produzidos no Brasil e infelizmente não produzimos.”

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