Mas por que o arquivamento não causou tanta repercussão? E o que, afinal, significa esse arquivamento?
A proposta (e suas vantagens)
Antes de mais nada, vale revisar o texto original do projeto para entendermos o que ele realmente propunha:
(…) Consideramos que, ao estender os benefícios estabelecidos pela Lei da Informática para o segmento de jogos eletrônicos, estaremos coibindo a comercialização ilegal de produtos importados, estimulando e fortalecendo o segmento no País, criando empregos e novas oportunidades de negócios, e, consequentemente, ganhos de arrecadação tributária para a União, Distrito Federal, Estados e Municípios pela via da formalização de todo um segmento que, hoje, opera quase que totalmente na economia informal.
Perceba, então, que o projeto de lei 300/2007 não é uma medida imediatista para reduzir os preços dos games no país. A ideia era, através de incentivos fiscais, convencer empresas como Microsoft, Sony e Nintendo – além, é claro, das produtoras e estúdios de games – de que o Brasil é um lugar legal para investir. Nosso país poderia muito bem servir como base de operações para diversas empresas relacionadas aos jogos eletrônicos na América Latina. A vantagem é que, assim, deixaríamos de depender das importações e, com isso, reduziríamos – e muito – o quanto pagamos em um console ou em um jogo.
Mas por que não deu certo?
A explicação mais curta dos motivos para o arquivamento do PL seria “burocracia”. A Câmara dos Deputados brasileira segue um regimento interno. O termo 105 desse regimento diz que todo projeto de lei que esteja apenas “tramitando”, sem data para ser votado, seja arquivado ao fim de uma legislatura, o que aconteceu no dia 1º de fevereiro.
Mas há a resposta mais longa também, e essa envolve também aquele outro grave problema sempre recorrente na nossa política legislativa: a inércia. O PL 300/2007 não foi arquivado porque os deputados se opuseram a ele e votaram contra. Ele foi arquivado porque os deputados simplesmente deixaram ele parado, encostado. E, claro, nem tudo é tão simples quanto parece ser quando olhamos para a lista de datas na página do projeto. Mas, grosso modo, a falta de atitude e/ou interesse de nossos deputados no tema foi crucial para que o PL não fosse a lugar algum.
Outra complicação era o texto do projeto elaborado por Merss, que deixou de considerar um fator complicado e de extrema importância. No Brasil, videogames são classificados, para todos os fins, como “jogos de azar”. Sim, videogames, cassinos, caça-níqueis, baralhos e o Bingo que sua vó joga na festa da terceira idade… para nosso Governo, é tudo a mesma coisa.
Como não há, no texto do PL 300/2007, uma proposta de alterar a classificação dos jogos eletrônicos para algo como “bens culturais” ou “bens de entretenimento”, a situação complicou quando o projeto passou pelas mãos de seu primeiro relator, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). Eu nem vou comentar muito, apenas confiram:
No entanto, os equipamentos de jogos eletrônicos incluem máquinas caça-níqueis, equipamentos de sorteio e de gestão de bingos, simuladores de jogos de azar e outros aparelhos utilizados em atividades que hoje sofrem restrições legais variadas no País. Estaríamos, caso aprovada a redação da proposta em exame, incorrendo no paradoxo de oferecer incentivos fiscais à fabricação e ao comércio no mercado interno de aparelhos cuja utilização é, em muitos casos, ilícita.
É uma interpretação equivocada, mas que poderia ter sido evitada se Merss tivesse sugerido uma mudança de classificação para os games em seu PL. No fim das contas, Fruet aprovou o projeto, mas com a ressalva de que os benefícios fossem restritos apenas à “jogos de vídeo utilizáveis com receptor de televisão, para uso domiciliar”. Enfim: mais nomenclaturas, mais burocracia, nenhuma definição.
Essa mistura entre a inércia dos relatores que seguiram Fruet e os buracos no bem intencionado projeto de Merss acabaram levando tudo por água abaixo. E sabe o que é pior? São poucas as chances de o projeto voltar à discussão. De acordo com outra norma do regimento interno da câmara, só o autor ou autores de uma proposta arquivada podem pedir para que ela volte à pauta, desde que isso seja feito em até 180 dias após o arquivamento.
Carlito Merss, atualmente, é prefeito de Joinville (SC) e não tem mais relação com a Câmara. Tudo indica um Game Over sem continues para o 300/2007.
E daí? Temos o Jogo Justo!
Vamos com calma. Como diria o poeta, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nós temos o Jogo Justo, e temos de apoiar as iniciativas de melhorar a vida dos gamers brasileiros. Mas o PL 300/2007 e o Jogo Justo são semelhantes apenas na superfície. No fundo, existem diferenças.
Como já discutimos, a ideia do projeto de Merss era atrair empresas para o Brasil e fortalecer a indústira brasileira de games e a economia nacional como um todo, em um processo gradual. O movimento idealizado por Moacyr Alves Jr. tem um foco bastante definido, apesar de integrantes do projeto reconhecerem que a mudança na “categoria tarifária” dos games é uma das alternativas para baixar os preços. Moacyr também afirmou, em entrevista, que a Acigames planeja entrar na Justiça contra os projetos de lei que pretendem proibir os games de alguma forma.
Outro ponto de diferenciação é que o Jogo Justo está, pelo menos no primeiro momento, preocupado apenas com o software, não com o hardware. Ou seja, baixar os preços dos consoles não é a prioridade por enquanto. O projeto de lei, se bem implementado, ofereceria a possibilidade de os fabricantes de consoles se estabilizarem aqui, o que evidentemente reduziria seus preços. É claro, não há como garantir que, mesmo sem impostos, as empresas fossem se estabelecer aqui, mas tanto a Nintendo quanto a Microsoft já demonstraram interesse por nosso país no passado.
Por fim, mas não menos importante, vale sempre lembrar que o Jogo Justo foi “algutinado” pela Acigames, que é um projeto privado. Ela pode ser mais ágil do que qualquer ação de deputados mas, ao mesmo tempo, carece da expressividade e da abrangência de uma lei federal, além de ter seus próprios interesses. Enquanto o Jogo Justo tem um objetivo específico, uma lei – por mais demorado que seja o processo de aprová-la e executá-la – teria consequências mais amplas.
Nós entramos em contato com a Acigames e com o Jogo Justo em busca da opinião a respeito do arquivamento de lei 300/2007, mas ainda não recebemos resposta até a publicação deste texto. Eles se manifestaram, porém, no Twitter: “A PL 300/07 não tem nada haver [sic] com o Jogo Justo, somos um movimento e desde o começo sabíamos que não ia dar em nada, infelizmente”, foi uma das mensagens publicadas. Em outra tuitada, o Jogo Justo afirmou que o PL só “seria incentivo para games produzidos no Brasil e infelizmente não produzimos.”
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